domingo, 23 de abril de 2017

Ah, Cantareira.

Morro desprezada.
Diante de direções velozes
esquecem sua grandeza, presença e existência.
Seus morros crescem, abaixam e desenham picos que não são esperados!
Todos tem pressa.
Mas eu não.
Aprecio-a, sempre.
Toda vez, lentamente.
Olhando seu contorno, seu perfil.
Esqueci, uma vez até, que seu desenho me acompanha até onde quero ir.
Pensei que nem precisava disso
Até que talvez não,
Cantareira.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O encontro.

....


      P. estava um pouco nervoso. A noite não foi das mais tranquilas. Abdicara de um prêmio e abusara do álcool no dia anterior. Ele sentara em uma mesa reservada para dois. Tomava em grandes goles a bebida que o garçom lhe servia. Esperava-a na mesa aonde milhões de pensamentos percorriam em sua confusa cabeça. Olhava ansiosamente para o seu relógio para ver se não se adiantara demais ou se a mulher atrasara. Arrumava-se, metodicamente, seus cabelos, seu terno e seu hálito afim de não encontrar nenhum problema em seu encontro. Estava paranoico.
      Enquanto o garçom servia a melhor entrada da casa a seu pedido, P. viajava e pensava sobre ela: Sobre o que falariam? Quais os seus gostos? Será que gostava de cerveja? Ou era mais para o vinho? O que gostava de ouvir? O que gostava como hobby? Por que tanta trocas de olhares no dia anterior? Era algum sinal (Oh! Claro que não!)?  Fazia muito tempo que sua cabeça não era  infestada de tantas dúvidas. Não degustara a entrada, pensava demais sobre as coisas mais simples que afloravam em sua cabeça. Imaginava todas as situações que simulava em sua mente. Estava obcecado.
      O tempo vai e o tempo vem. Horas se passaram e P., percebeu que, após toda a imaginação dita acima - e mais um pouco -, ele terminara sua refeição sem a presença dela. Ela, a fonte de toda as suas idéias, não era nada mais do que uma simples ilusão que P. criara por motivos (des)conhecidos. P. percebeu da gravidade de sua situação, percebeu seus olhos lacrimejando e discretamente pagou a conta. Levantou-se percebendo que os vizinhos de mesa o viram, e saiu do restaurante ciente do que estava acontecendo. Cheio de dúvidas.

....

http://semeioss.blogspot.com.br/2011/06/o-paleto.html
http://semeioss.blogspot.com.br/2011/05/o-terno.html

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O Castelo

   Quando pequeno, ganhei um castelo. Era o dobro da minha altura, mas o achava enorme. O explorei como se fosse dono de uma casa nova. Descubria cada detalhes que tinha, cada segredos dele. Ele tinha uma torre que me permitia avistar o inimigo e, realmente, se não fosse por ele, jamais manteria o domínio do lugar! Muitas batalhas foram travadas por lá. Muitas vitórias conquistadas, mas tantas outras derrotas que nos obrigaram a fugir do castelo pela pequena passagem secreta que tinha! Às vezes as lutas eram tão árduas e extensas que nem fugir era possível. Arrumava-se um pequeno espaço e ali repousavam os bravos guerreiros que protegiam a fortaleza.
   Com o tempo, a edificação foi evoluindo. A tal torre já não era lugar onde atiravam flechas flamejantes. Agora, com a ajuda de um cabo de vassoura apoiada em seu muro, criou-se a metralhadora. Foram surgindo dinossauros e criaturas cujas alturas eram incalculáveis. Desprotegido por cima, o castelo, por meio da imaginação e um colchão abandonado, ganhava um teto! A escuridão no seu interior, criava um ambiente mais aconchegante(?!) ao mesmo tempo em que relembrava as condições insalubres da idade média. Apesar disso, era eficaz na proteção do seu rei. Imponente, virou, com a presença de mais uns amigos, fonte de esconderijo para as brincadeiras diversas.
   Mas os anos foram passando e parte de sua grandiosidade foi se perdendo. Sua altura já não intimidava mais. As suas armas perderam seu poderio diante do desinteresse desenvolvido pelo crescimento. O castelo, enfim, tornara-se obsoleto e uma ruína, que antigos, quando o vê, relembram dos seus momentos de glória. Mas assim como as construções reais, há a restauração. Outros pequenos vão descobrindo e herdando o brinquedo arquitetônico que, em tijolo por tijolo, construiu minha infância.

                                              http://creativecommons.org/licenses/by/2.5/deed.en

domingo, 3 de julho de 2011

A campanha.

   A fome era grande - não comera direito na véspera- então não esperou muito para se servir. Esperava poder encher a barriga se entupindo com qualquer prato servido no buffet. Surpreende-se com a variedades de legumes refogados, ao azeite, grelhados e uma infinidade de frios e pratos quentes. Nada extraordinário se não fosse pelo fato de todas as comidas causarem atração. Por causa disso, torna-se obrigatório retornar a mesa sem ter explorado mais do que um terço da comida disponível.
   O prato, debaixo da montanha de comida, fez-se perdido na infinidade de cores e cheiros que enchem os olhos e narinas de uma embriaguez absurda, tornando difícil esconder o sorriso. A vontade de comer em uma única garfada, só evidencia a dúvida que paira no ar: "Por onde começo?". Some aos poucos a abobrinha grelhada, o parma, a berinjela, o risoto, os redondos (tomates e queijinhos), os retangulares (sashimis), os compridos, curtos, e tantos outros de todas as formas e texturas dentro do minúsculo prato(?!) em que se encontravam.
   Retorna ao buffet com a expectativa potencializada pela experiência anterior. Novo montante que, desta vez, incluem carpaccios variados, mix de cogumelos e uma série de verduras que converteria facilmente qualquer carnívoro convicto a simpatizar com essas folhas! A diversidade de molhos de ervas, tradicionais e misturas incomuns, prontos para serem degustados, faz com que o prato pareça mais uma sopa.
   Outra montanha some do mapa. Culpa do ser humano, impetuoso e seduzido pelas suas riquezas! Mas ele - talvez - tem o seu limite. A vontade de comer mais se esbarra nas dimensões do estômago. A cabeça se perde nas idéias enquanto saboreia cada bocado. Mais uma expedição, desta vez em direção às massas e carnes, retorna bem sucedida. Carne suculenta e macia, derretem na boca, tornando quase impossível manter os modos e não usar os dentes para separar as proteínas dos ossos. As massas banhadas pelo molho branco, saboroso e consistente, tiram todas as dúvidas sobre sua saciedade.
   Respira-se, com dificuldade, fadigado pelo enorme esforço consumido. Ainda busca repetir pequenos bocados e curtir mais um pouco. Acabam-se as investidas, os movimentos. A boca, antes afogada pela saliva abundante, agora se recupera de uma ressaca de sabores. É preciso levantar e entregar o território.  Mas não antes de gravar na cabeça a rota, para que, em um futuro próximo, a aventura se repita.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O paletó.

                                                               ...

   A noite passada não foi das melhores. P. sabia que seus planos foram comprometidos pelas dúvidas que assolaram suas decisões. Escolhia um caminho e tão logo queria voltar atrás. Pra que lado prosseguiria? Deveria ir ou não? Ponderava tanto que a balança não aguentava mais o peso dos argumentos. O conflito mental que sofria era tanto que P. esquecera de se alimentar. Restava em seu quarto apenas uma garrafa amanhecida de uma bebida que entornara parcialmente, e que agora molhava os lábios em goles pequenos. Seus cabelos ensebados denunciavam o péssimo estado higiênico em que se encontrava. Sem - Argh! - os dentes escovados, permanecia sentado ao lado da janela, olhando vagamente para o ambiente em que se encontrava.
   Subitamente, em mais um de seus prováveis delírios, P. decide se levantar. Tudo que aconteceu, já se foi. Talvez não do jeito que queria. E qual o problema? Porque deveria ficar estagnado por uma decisão alheia? Já não bastasse tantos problemas que a vida já lhe impôs? E deveria P., deixar que isso ocultasse toda a alegria que já viveu?  Nunca!
   O quarto, que fora vítima da fúria de P., ainda via suas paredes sangrando a aguardente dos copos arremessados, sentia o odor nauseante do gorfo que ainda ganhava território nos arredores do banheiro e de tantos outros pormenores que não seriam agradáveis mostrar. Todavia, pendurado numa arara, estava a única peça intacta, que P. tratou de alcançá-la e vestir. Um terno básico, mas elegante, que o acompanharia nesta noite e de outras tantas para esse jogo que revira sua cabeça.

                                                                     ...

http://semeioss.blogspot.com.br/2011/05/o-terno.html
http://semeioss.blogspot.com.br/2012/06/o-encontro.html

terça-feira, 31 de maio de 2011

O Terno

                                                             ...                                    

Depois de tanto nervosismo, P. senta na mesa. Era necessário que pagasse a entrada mínima, de cinco mil. Retira, distraído, o valor do bolso e entra no jogo.  Seu pensamento confuso e oblíquo, confundia-o e aos outros da mesa. Disputava o prêmio maior com profissionais. Pessoas com chapéus de caubói e óculos escuros, cada um com sua mania; superstições que nenhum outro entenderia. O jogo, era complicado.
   Seu comportamento conservador aliado aos pensamentos amorosos que o perturbavam resumiam numa sequência de desistências, demonstrando claramente aos adversários uma fragilidade emocional que dariam-lhes vantagem nas rodadas. P. não conseguia raciocinar. Sabia que a partida resumiria todas as idéias que concentrava na cabeça. precisava de foco. Porém seu receio e sua concentração resultaram jogos de fáceis blefes a seu favor, em pesadas perdas diante do identificável rosto de um sem cartas. O nervosismo se superara diante de seguidos drinques que tomara, tomando forças para continuar.
   A partida prosseguira com o nosso protagonista se mantendo, surpreendentemente, ainda com os pensamentos no ar, ainda com o jogo na mesa. Torna-se incrível quando restam somente ele e mais um adversário, encarando tantos ventos contra sua pessoa. A mão seguinte, é crucial, pois ambos possuem o mesmo montante, se intensifica depois do all-in de ambos. P. com o par menor nas mãos e seu adversário com as duas maiores cartas do baralho, esperam o dealer abrir as cartas. Neste momento, P. avista uma mulher, a bela mulher que o encarara e aguardara desde o início do jogo e que ficara escondida em meio a tantas circunstâncias inexplicáveis. P. descontrolado perde toda a razão e a tensão do jogo, levanta, abdicando de todo o dinheiro na mesa, seguindo o encanto e esquecendo da rodada, sem levar em conta de que abrira na mesa, a trinca vencedora.

                                                           ...

http://semeioss.blogspot.com.br/2012/06/o-encontro.html
http://semeioss.blogspot.com.br/2011/06/o-paleto.html

quinta-feira, 21 de abril de 2011

O esforço.

   Sob passos pequenos e irregulares, o movimento. A respiração é pesada. A noite fria contraria o calor provocado pela longa caminhada. Uma gama de estrelas completam o céu de uma maneira há muito tempo esquecida pelas cidades grandes. Seus brilhos são ofuscados pelos postes de luz, como um baú escondendo seu tesouro.
   A brisa gelada tomam conta da cidade, já em sua maioria no conforto de seus lares, desacelerando do dia corrido e cansativo. Os carros seguem em direção de suas casas num rodar arrastado, vencido por mais um dia de corrida. As dezenas ou centenas de cavalos que galopavam num ímpeto desnecessário - pelas leis do trânsito - à tarde, agora trotam como se estivessem puxando vagões cheios. E estavam cheios.
   Mas a noite não para; avança junto com os corredores em véspera de competição. Pessoas que encontram energia para a corrida noturna, a caminhada acompanhada de uma conversa leve e solta, e que esquecem totalmente dos fardos que lhes foram impostos.
   A mente já não responde aos estímulos. O equilíbrio, debilitado. Os ouvidos tentam escutar mas só há silêncio acompanhado de zumbidos. Mãos e olhos vasculham o quarto atrapalhados. Mas encontram. Sem - desta vez - vacilar, deitam-se. O cansaço impede qualquer pensamento senão do conforto do tão sonhado descanso.